Senhora solene, mas mal educada.
Costuma chegar sem ser convidada.
E ainda parte levando consigo
Aquilo que não cabe no jazigo.
Mulher sem sexo.
Que, por vezes, nos deixa perplexos
Com a sua mania autoritária
E que tão raro se mostra solidária.
Anciã mais velha do que o próprio tempo,
Ela se aproveita de qualquer contratempo
Para cumprir o serviço supremo
De definir o suspiro postremo.
No entanto, às vezes ela falha.
Cansada da rotineira batalha,
Manda as gentalhas às favas
e as deixa alvas.
Pálidas ficam pela visão iminente,
que faz reverem toda uma vida impotente,
e pela busca última
de não serem mais uma vítima.
A Morte, por vezes sedenta,
se mantém altiva e atenta.
E em qualquer humano porém
Colhe uma leva de almas para o além.
Por isso, ela se regozija
de qualquer vil motivo que frija
o fim da vida de quem quer que seja.
Afinal, nem ela recusa algo de bandeja.
Mas há que se ter justiça
com personagem tão mortiça.
Pois, sem ela, uma vida inteiriça
tiraria o efeito de tudo que nos eriça.
Assim, sem medo ou receio,
Ousaríamos satisfazer todo anseio.
E como deuses sem empatia,
o mundo seria um mar de sociopatia.
Ou seja, a morte é bem-vinda,
pois regula as decisões advindas
e tolhida nosso sofrimento
ainda que antes do insuportável tormento.
Para finalizar esse imbróglio
sem deixar nenhum espólio,
é preciso ressaltar fortemente
que devemos amá-la deliberadamente.
Ainda que ela nos prive de acompanhar
aqueles que por tempos esperamos chegar.
A Morte é uma senhora cansada,
mais antiga que as histórias pensadas.
Seja fria ou dolorida,
ela deve executar a tarefa auferida,
levando as almas escolhidas
dos corpos de onde foram tolhidas.
E não adianta a rima quebrar
acreditando que a eternidade possa vislumbrar.
O compasso da vida
deve ser ritmado até que ela seja dissolvida.
Então, com suas vazias órbitas sorridentes,
a Senhora trará nosso negócio pendente.
O acerto de contas mais eficiente,
de rever toda a vida ao final do expediente.