Cabisbaixo pela recusa, ele foi preenchido por um sentimento amorfo. Ele queria um retorno. Precisava atender àquela ânsia que dominava o seu ser.
Atravessou a rua a frente do prédio com passos largos. Não tinha ideia do que faria, mas o que queria: voltar para aquele lugar como vencedor.
Seu desejo de independência do endereço que ficava para trás era pulsante, colérico, sanguíneo. Não sabia explicar o que sentia, tão pouco parafrasear.
Chegou em casa com dor de cabeça e se prostrou no sofá de seu quarto, longe do mundo todo, mas bem mais perto daquilo que sentia no âmago de seu ser.
Pegou o celular e pôs-se a procurar estratagemas para conquistar seus objetivos. Vasculhou a web em busca de pontos fracos do, agora, inimigo.
Consultou valores, imaginou formas, bolou estratégias, criou caminhos para atingir sua meta, mas tudo isso ainda intangível. Pura imaginação no calor da emoção.
Foi então que acessou sua rede de contatos profissionais e se deparou com um nome que lhe dava uma vaga recordação de quem era e do que fazia. Conferiu o currículo virtual do sujeito para refrescar a memória.
Claro! Um ex-colega de faculdade. Como não havia se recordado daquele sujeito chinfrim de imediato? O tinha como vil e de inteligência inferior, apesar de uma astúcia fora do normal para a sordidez. Em outras palavras, ele era mau.
Mal se deu conta de que, agora, tanto se identificava com o asqueroso, tão afastado durante os anos de convívio, mas nunca rejeitado. Muito pelo contrário. Ele sabia que um dia poderia precisar de uma pessoa como aquele amoral.
Rapidamente correu os olhos no histórico profissional do objeto de sua pesquisa. CEO de um conglomerado econômico de expressivo renome. Isso não o chocou: os piores tipos costumam mesmo crescer rápido.
Jogou o nome da companhia no buscador virtual e correu os olhos pelos diversos links. Várias aquisições e alguns processos por assédio moral faziam parte do histórico da tal organização.
Conluio com políticos e até ações sociais de protesto contra aquela forte marca também permeavam os resultados. Pensou: — Bem característico de quem a administra mesmo!
Não hesitou e enviou uma mensagem. Sabia que não poderia fazer rodeios com aquele tal se desejasse real êxito em sua abordagem. Por isso, foi direto:
— O que você acha de destruir uma empresa?
Botão enviar pressionado. Os minutos se passavam, as horas se acumulavam e até os dias viravam no calendário. Nenhuma resposta. O talzinho CEO sequer havia visualizado sua mensagem.
Se desanimou e entregou-se à prostração total. Barba crescida e cabelos despenteados era seu retrato dia após dia.
Após uma semana conferindo diversas vezes por dia se o desafio ofertado havia sido recebido, desistiu. Mas apenas da ajuda daquele sem escrúpulos.
Seu prato esfriava cada vez mais a cada novo dia, mas o sentimento pulsante que acelerava seu coração e impedia que qualquer coisa passasse pela goela permanecia. Aquele imbróglio teria que ser desfeito ou não saberia viver livre dessa emoção pelo resto de sua existência.
Em um sábado qualquer, semanas após o ocorrido, seu celular exibiu uma notificação. Era um e-mail recebido de um serviço de disparo de notícias por palavra-chave.
Ao abrir o link, encontrou uma chama que devorou seu espírito e reacendeu as esperanças de acabar com aquele caso mal resolvido. A tal empresa que o rejeitara estava em plena expansão e abrira um posto de trabalho em um novo setor.
Não era a sua área, mas ele tinha conhecimento suficiente para ocupar aquele cargo. E, além disso, tinha motivação de sobra, pois seria uma excelente oportunidade para atingir seu tão sonhado objetivo.
Com as emoções já frias, passou pelo processo seletivo e depois de exatos três meses, articulou seu plano. Ele iria acabar com aquele CNPJ.
Sua rejeição não deglutida trazia bílis à sua boca com frequência até então não experimentada. E isso lhe dava sede, mas não de água ou líquido que fosse. Talvez de sangue…
Construindo seu plano macabro, mais uma notificação em seu celular o chamou atenção. O ex-colega havia o respondido. Na mesma hora abriu a mensagem recebida.
O CEO, que havia adquirido algumas outras empresas naquele intervalo de silêncio, dizia: — Qual? Quando? Como?
Para o tal, não havia necessidade de cumprir casualidades sociais. Ele era direto e adorava demonstrar seu poderio bélico no mundo dos negócios. Já havia comprado empresas concorrentes apenas para fechá-los e demitir pessoas, assim como já roubara profissionais importantes de outras empresas só para deixar a operação delas deficientes.
Finalmente, ele havia conseguido a atenção de quem poderia facilmente ajudá-lo, não por o dever algo, mas apenas pelo prazer de sua vilania.
Seu plano orquestrado estava diante de uma oportunidade facilitadora que o fez rapidamente rearranjar alguns pauzinhos. Afinal, ele não precisava de receber a autoria. Bastava que o objetivo fosse alcançado, por quem quer que fosse.
Oportunamente, o tal CEO havia se tornado concorrente direto, após adquirir uma empresa do mesmo segmento, de quem ele almejava destruir.
Passou as dicas para o sujeito, dando os detalhes da operação e sugestionando que uma mudança de componente seria capaz de arruinar o negócio e privilegiar o seu novo sócio.
O plano dele era destruir o negócio e ver todos aqueles que o rejeitaram na sarjeta. Ele ansiava pelo fim daqueles que não lhe deram o emprego de seus sonhos.
Só havia se esquecido, cegado pelo desejo de vingança, que quem brinca com fogo fica mais perto de se queimar.
Seu comparsa comprou um dos fornecedores da empresa alvo de sua ira e instruiu a troca de compostos químicos solicitados em um pedido. Ele sabia do ocorrido e esperava ansiosamente pelo desfecho.
Mas não contava com a visita de seus pais, vindos do interior com alguns tios, para comemorar seu já consolidado emprego com um churrasco regado a muitas gargalhadas e cerveja.
Aquele contratempo tirou seu foco da vingança e afrouxou sua expectativa do desenrolar do estratagema posto em execução. E sentiu-se confortável com essa pausa nas fortes emoções que controlavam seu dia a dia, consumindo seu ser assim como todos seus familiares consumiam o produto da empresa na qual ele sonhara trabalhar.
Apenas no avançar da hora ele identificou o rótulo das bebidas que estavam sendo servidas nos copos de todos presentes.
Sentiu um congelamento instantâneo dominar seu ser. Todos ali, exceto ele que não bebia fermentados, estavam embriagados com o líquido oriundo de onde despejara sua ira causada pela rejeição passada.
Tudo já havia sido feito e nada poderia ser remediado. Sua vingança havia respingado em sua própria família. Seus pais, semi-alcoólatras, já começavam a sentir o mal estar do embriagamento.
Dois dias após a eventual reviravolta, seus pais estavam mortos e alguns tios internados em estado grave. Ele sobrevivera ao despejo dos compostos indevidos nos tanques de água da empresa que trabalhava.
Sua vingança estava concluída. A empresa havia sido culpada pelo erro de produção, multada e processada pelos familiares de doze vítimas. Faliu.
Ele havia ajudado a matar dez pessoas e se tornado um parricida com seu tão sonhado e arquitetado retorno fatal à empresa que não o contratara e o deixara esperando dias, com a esperança morrendo à míngua.
Também morto pela culpa que nunca imaginara sentir, o renegado resolveu novamente se vingar. Mas, dessa vez, o objeto de sua vingança, agora motivada por remorso, era ele mesmo.
Em seu derradeiro desespero de não superar a dor da culpa, muito maior do que a ânsia que havia sentido antes, deu fim a própria vida dentro de um dos tanques violados por ele mesmo.
Ao ter seu corpo retirado do estabelecimento falido, o mundo tomou conhecimento de sua maldade: “Eu fiz isso por vocês terem me renegado!” estava gravado em sua pele por cortes profundos o suficiente para serem legíveis.