Amarras

Amarras

Conheci Samuel em um encontro literário, em que diversas pessoas de todos os tipos, credos, sexos, gêneros e posições políticas frequentavam mensalmente para discussões a cerca de obras literárias, desde as mais clássicas, como Shakespeare, até títulos modernos, como sobre os vampiros de André Vianco em plena São Paulo atual.

Seu porte másculo e atraente, com um olhar capaz de penetrar suas vísceras, revolvendo-as. Tinha mãos fortes e braços másculos em um corpo que chamam de parrudo — que intermedeia as definições de magro e gordo. A voz dele era grave como um trovão, mas suave ao pé do ouvido, como um maçarico ligado sobre um bloco de gelo.

Em sua mão direita, percebi uma faixa destoante da coloração do restante de seu corpo, logo na base do dedo anelar. Recém-divorciado ou casado? Não saberia dizer, com aquele gingado de macho alpha, andando chacoalhando os ombros e gingando os quadris enquanto troca as pernas de posição a cada passo.

As demais pessoas do grupo ficavam ouriçadas com sua presença, me recordando que eu não era nada além de uma pessoa comum, igual a qualquer outra presenta naquela sala. Mas com uma importante diferença: seu olhar estava direcionado a mim. Eu era o seu objetivo naquele momento.

Sentindo já um certo incômodo e desconcerto devido ao seu olhar intenso, levantei-me de meu lugar e fui em direção ao conjugado de banheiros, em que o lavabo ficava em um espaço em comum aos gêneros e apenas os banheiros se encontravam em portas diferentes, posicionadas exatamente de frente ao espelho, mas sem revelar o conteúdo do espaço a quem, por exemplo, lavava as mãos.

Ao sair do recinto destinado às necessidades pessoais primárias, me deparo com Samuel de frente ao espelho, simulando lavar as mãos enquanto fisgava meus olhos pelo vidro reflexivo a sua frente. Ele não piscava e sorria pelo olhar, apesar de manter sua face imóvel e concentrada, como durante toda discussão com o grupo de leitura.

Por causa daqueles olhos medusianos, fiquei na porta do banheiro sem me mover, como pedra, apenas olhando para ele e com os lábios entreabertos, como quem é pego em momento desconfortante. E assim fiquei até que, em um salto, Samuel se virou para mim e deu dois passos em minha direção, me mergulhando novamente dentro do espaço do banheiro.

Não tive nada a fazer além de apoiar minhas mãos, que se encontravam erguidas, em seu peito, cujos seios masculinos eram protuberantes e rígidos como rocha. Essa proximidade de nossos corpos me fez sentir seu perfume, que parecia misturar essências sedutoras, com aspecto cítrico e toque oriental, que me lembravam uma mistura de mel e benjoim que me lembravam o Zaad. Aguçou meus sentidos e deixou os pelos de minha nuca arrepiados.

Sem olhar para trás, ele me conduziu até me encostar em uma das paredes do recinto. O porcelanato estava frio, o que me ajudou a equilibrar a temperatura a qual meu corpo estava me levando. E sem tirar os olhos dos meus, Samuel movimentou sua mão esquerda para trás e trancou a porta.

Aquilo tudo era muito estranho para mim, pois nunca me imaginei em um banheiro trancado, com um homem robusto e atraente como aquele. Nada disse e nem poderia, pois imediatamente ao ouvir o último barulho característico do fechadura girando, aquele homem de um metro e setenta e cinco centímetros se desmoronou sobre mim, beijando minha boca e explorando cada parte do meu pescoço com sua língua.

Por alguns instantes, eu não soube mais o que era oxigênio e nem me lembrava o que era compostura. Logo depois o poder da gravidade se lançou novamente sobre mim, devolvendo minha consciência à realidade quando Samuel parou de me explorar e deu um paço para trás, me olhando novamente nos olhos enquanto eu escutava mais uma vez o som da fechadura girando, mas desta vez para me deixar sem a companhia de ninguém dentro do cubículo.

A viagem da terra ao céu havia me levado ao inferno. O desejo em mim provocado por aquele homem era surreal. Na hora, só consegui lembrar do meme de uma fã do Restart reclamando que seus ídolos não haviam aparecido para a multidão à espera: “Sabe, eu acho uma puta falta de sacanagem”. Sim, meu corpo pedia sacanagem. Aquele filho da mãe deveria ter me possuído ali mesmo, naquele cubículo, fazendo nossos corpos se fundirem em um único amontoado de carnes, músculos e ossos, ainda que por apenas alguns segundos.

Todo meu ser, imobilizado por aquele súbito ataca sexual, ainda sentindo aquela fragrância sensual da carne daquele homem, se encheu de revolta. Não há na vida pior coisa do que a ilusão de algo que muito se deseja e por pouco se tem. Tal qual dar um suculento pirulito para uma criança e retirar da mesma antes mesmo que o doce toque seus lábios infantis. E isso tudo borbulhando dentro de mim, me fez desejar vingança! Eu precisava dar o troco. Meu desejo agora não era mais de sua pele junto a minha, mas de seu ego humilhado como o meu.

Em um estalo de sanidade, recuperando o fôlego e o fluxo de respiração, tomei de volta minha compostura e arrumei minha roupa amassada por aquele brutamonte. Saí do banheiro, já escutando a voz dele no salão do espaço das reuniões, e me pus frente ao espalho do lavabo. Lavei minhas mãos e fui à caça. Agora era a minha vez!

Durante as discussões sobre a obra de Art Spiegelman, eu só pensava em como seria bom destilar meus maus modos em cima do Samuel. Mas eu não poderia me expôr. Precisava manter o controle para não deixar escapar nada além de olhares fulminantes e convidativos para ele, que certamente os percebia. Após algumas horas falando sobre o nazismo e como o autor expressou os povos mais envolvidos na Segunda Grande Guerra Mundial, o canastrão deixou escapar sua personalidade fascista.

Todo o tesão que ele avia me provocado se dissipou como uma torrente de água despejada por uma imensa chapa quenta. O resultado dessa vaporização foi o aumento da minha pressão interna. Agora era uma questão de honra! Nunca antes um tipinho escroto desse havia me beijado. Eu precisava devolver todo aquele asco que agora sentia em minha boca revirando nos lábios dele. Mas a devolutiva não poderia ser qualquer uma. Era preciso que fosse algo inesquecível. Para tal, eu precisava manter o equilíbrio e não hesitar.

Ao final do encontro para discutir Maus, Samuel se aproximou de mim a caminho da saída e perguntou se eu queria terminar o que havíamos iniciado. Naquele momento, minha vontade era de vomitar aos seus pés e declarar todo meu nojo por sua mentalidade. Mas me controlei e dei o melhor sorriso que era capaz, até mesmo capaz de me enganar enquanto respondia que sim, mas no dia seguinte.

Como havia imaginado, ele não me convidou para ir à sua casa. Só não esperava que seria para um motel. Mas aceitei. Saí do trabalho com minha mochila do notebook lançada em meu ombro direito. Eu tinha que fazer aquilo direito! Precisava fazer algo que não fosse criminoso e que o deixasse envergonhado o suficiente para não abrir o fato para ninguém. Minha vingança daquele imundo seria cuidadosamente posta em prática.

Na esquina, conforme combinado por mensagens, encontrei com Samuel em seu carro. Dei um sorriso forçado de boa vontade e segui incólume em meu objetivo, até entrar no motel e descermos do carro. O filho da mãe era muito gostoso! Suas costas largas e másculas me tentavam, mas resisti até mesmo quando ele tirou sua camiseta, mostrando o abdômen trabalhado, mas não trincado, como dizem a trupe das academias.

Ao tirar sua calça e deixar mais visível aquele imenso volume sob a cueca, outro baque! Ele tirou da cintura uma pistola Glock G19 e pôs sobre a mesa do quarto, junto de seu distintivo da Polícia Civil. Pensei comigo que isso explicada muita coisa, mas não justificava. Agora minha motivação seria ainda maior. Apesar de não odiar policiais, meu asco dos nojentos fascistóides que ocupam cargos nos órgãos de defesa era ainda maior.

Fiz uma cara de surpresa e perguntei ingenuamente se ele era policial. Ao receber a afirmativa, confidenciei que sempre tive o fetiche de transar com um homem algemado na cama, de modo que eu pudesse ter o controle da situação antes do meu dominador exercer seu poder sobre mim. Por sorte, a ideia parece ter mexido no âmago dos desejos dele, pois os olhos brilharam como uma criança a frente de um brinquedo lançado recentemente enquanto tirava do bolso de trás da sua calça uma algema de aço inox com três gomos de corrente interligando as partes.

Apressei-me para pegar a peça, tanto controlar minha hesitação, afinal, não era um boy lixo comum, era um policial. Logo em seguida, ele deitou na cama com um forro branco sobre o colchão plastificado e colocou as mãos para cima, juntas de uma abertura do concreto da parede, justamente utilizada para amarraduras. Ao me direcionar para sentar sobre ele, pensava que eu não teria muito tempo, visto que ele estaria com apenas uma das mãos algemadas. Foi aí que tive a ideia de usar seu cinto para imobilizar a outra mão. Ele não entendeu de primeira, provavelmente achando que eu usaria o cinto para bater nele, mas minhas fantasias BDSM estavam bem guardadas naquele momento.

Samuel não demonstrou impedimento e deixou facilmente eu algemá-lo, ficando atendo ao momento em que eu coloquei a chave da algema sobre o móvel do lado da cama. Também não levantou objeções quando amarrei sua outra mão com o cinto e abriu um sorriso enorme enquanto eu puxava a camiseta dele e enrolava sobre seus olhos, como uma venda improvisada enquanto sentava sobre ele e sentia sua genitália pulsando de tesão sob mim.

Apesar do porco que era, minha curiosidade foi grande e retirei sua cueca, jogando-a longe enquanto refletia sobre o desperdício que era aquilo tudo. Um homem tão lindo, gostoso e, literalmente, bem armado, ser tão asqueroso como qualquer outro fascista. Fiquei de pé na cama e deslizei um dos meus pés pelo corpo dele enquanto tirava minha roupa de baixo para o grande finale.

Sem roupas, me pus de cócoras sobre ele e descarreguei todo o conteúdo do meu intestino enquanto ele estranhava a sensação. Ao sentir o odor proveniente de minhas fezes, ele começou a se debater e me xingar, enquanto eu dava gargalhadas e me distanciava dele amarrado e vendado, deitado na cama. Enquanto pegava meu celular e ouvia seus resmungos e ameaças, eu só consegui dizer uma coisa:

— Merda para um merda fascista.

Logo que as palavras saíram de minha boca, eu apertei o botão capturador e o celular emitiu uma luz intensa e o som da minha vingança. Completei:

— Devidamente registrado. Se fizer alguma coisa comigo ou ver você espalhando seus pensamentos fascistas, divulgarei essa foto na internet.

Enquanto terminava de me vestir, só escutei um “eu vou te matar” antes de sair pela porta e deixá-lo cagado, gritando na cama e tentando se livrar das amarras. O primeiro e único crime de minha vida havia sido concluído e saí do motel avisando que meu acompanhante havia ficado no quarto e pediu para ser acordado em 30 minutos…

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